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O Lobo e o Cordeiro
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«Só merecerá o nome de homem e somente poderá contar com algo que foi preparado para ele, desde O Alto, aquele que tiver sabido adquirir os dados necessários para conservar indenes tanto o lobo como o cordeiro que foram confiados à sua guarda.»

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Ora, a análise filológica dita "psicoassociativa", à qual essa máxima de nossos ancestrais foi submetida, em nossos dias, por alguns verdadeiros sábios — nada tendo em comum, é claro, com os que habitam o continente da Europa — demonstra claramente que nela a palavra lobo simboliza o conjunto do funcionamento fundamental e reflexo do organismo humano e a palavra cordeiro, o conjunto do funcionamento do sentimento. Quanto ao funcionamento do pensar humano, é este representado aqui pelo próprio homem — o homem capaz de adquirir, no curso de sua vida responsável, por seus esforços conscientes e seus sofrimentos voluntários, os dados que conferem o poder de criar sempre condições que tornem possível uma existência comum para essas duas vidas individuais, estranhas uma à outra e de natureza diferentes.

Só um homem como esse pode esperar tornar-se digno de possuir o que é designado nessa máxima como lhe estando preparado desde O Alto e que, de maneira geral, é destinado ao homem.

É interessante observar que, entre os numerosos enigmas aos quais os diferentes povos da Ásia recorrem freqüentemente, por um hábito automático, e que reclamam soluções cheias de malícia, há um onde o lobo e a cabra (em vez do cordeiro) desempenham também seu papel — que, em minha opinião, corresponde bem à própria essência de nossa máxima.

O Lobo, a Cabra e a Couve

A questão que propõe esse astucioso enigma é a seguinte: como poderá um homem, tendo sob sua guarda um lobo, uma cabra e além disto, desta vez, uma couve, transportá-los de uma para outra margem de um rio, se se considerar, por um lado, que não pode levar com ele, em seu barco, mais de uma dessas três cargas e, por outro, que, sem sua vigilância constante e sua influência direta, o lobo pode sempre comer a cabra e a cabra, a couve.

A solução correta desse enigma popular não só exige que nosso homem dê provas da engenhosidade própria a todo ser normal, mas ainda que não seja preguiçoso nem poupe suas forças, pois para alcançar seus fins deverá atravessar o rio uma vez mais.
Se voltarmos à profunda significação de nossa primeira máxima, levando em conta o ensinamento que traz a solução correta desse enigma popular e se refletirmos sobre isto, fazendo abstração de todos esses preconceitos que, no homem contemporâneo, são apenas o produto de seus "pensamentos ocos", é impossível deixarmos de admitir com a cabeça e reconhecer com o sentimentos, que todo ser que se atribui o nome de homem deve dominar sua preguiça e, inventando sem cessar novos compromissos, lutar contra as fraquezas que descobriu em si, a fim de chegar à meta que se fixou: conservar indenes esses dois animais independentes que foram confiados à guarda de sua razão e que são, por sua própria essência, opostos um ao outro.

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Gurdjieff, em «Encontros com Homens Notáveis», Ed. Pensamento, p.14-15.